segunda-feira, 12 de outubro de 2009

PORQUE ESTUDAR HISTÓRIA DA FÍSICA

Na sua grande maioria, os estudantes de ciências exatas dão muito pouca, para não dizer nenhuma, importância ao estudo da história da ciência na qual mergulham, ou na história da ciência de um modo geral.
Por que será que isso acontece?

Talvez porque estejamos muito acostumados com os paradigmas de nossa época: a ciência como um saber superior. Aprendemos a ter um respeito quase religioso pela ciência. Se queremos encerrar uma discussão basta dizer: "está cientificamente provado!". E pronto! A discussão acabou! O saber em sua forma mais bem acabada está ali, e quem duvidar assume uma forma parecida com a qual um herege assumiria nos tempos medievais (talvez não fosse uma má idéia uma fogueirinha...). Os outros saberes? Bem, se não disputarem a verdade com o "saber ciência" podem ser considerados de certa utilidade, em contexto estrito, claro.

E o mais interessante é que a própria filosofia se enquadra nestes "outros saberes". Já conheci professores, universitários até, que quando queriam desmerecer algum saber diziam com desdém: "isso é da filosofia", querendo dizer que a lata de lixo seria o melhor lugar para aquela discussão ou informação.

Digo interessante, porque esse saber "superior", a Ciência, é filha direta da filosofia. Ela só nasceu porque circustâncias históricas bem definidas, a saber, a Revolução Industrial e sua necessidade de saberes que maximizassem os lucros, a tornaram necessária. E o mais interessante é que nesse nascimento três propostas antagônicas se digladiaram naquelas primeiras décadas do século XVII.

De um lado havia Francis Bacon, que defendia uma "Ciência Empirista". Para Bacon, tudo era experiência. Se queríamos descobrir algo era só fazer as experiências corretas e a natureza tudo nos revelaria. Deveríamos claro, retirar o que Bacon chamava de "ídolos": nossos preconceitos, idéias pré-concebidas, etc. Apesar de algumas pessoas ainda acharem que o saber se desenvolve desta maneira, é necessário ser muito ingênuo para se crer nessa idéia. Já no século XVII, a proposta baconiana de ciência se mostrou inviável.

No extremo oposto havia a proposta de René Descartes, que afirmava ser necessária apenas a menor quantidade de experimentos possível. A proposta Cartesiana de ciência é quase totalmente dedutiva. Com certos dados, e usando o método cartesiano, o problema vai sendo transformado em questões cada vez menores através da razão, e a lógica vai resolver o problema. A "Ciência Dedutiva" de Descartes praticamente descarta a experimentação. Em outros escritos, inclusive, coloca a dúvida se nossos sentidos, fundamentais para perceber o resultado de experiências seriam confiáveis o suficiente para apreendermos a verdade.

Uma proposta intermediária entre as propostas baconiana e cartesiana foi a desenvolvida por Galileu Galilei. A proposta galileana seria a de fazer experimentações controladas e perguntar à natureza uma coisa de cada vez. E a natureza seria muito lacônica em sua resposta: apenas "sim" ou "não". Para tanto, o cientista não fica experimentando aleatóriamente, mas redige, mentalmente, antes, uma "teoria": o que perguntar à natureza. Depois, com cuidado, faz a experiência tentando encontrar a resposta positiva ou negativa para sua pergunta pré-estabelecida. Mais do que isso, Galileu defende que a natureza se comunica em "linguagem matemática". Ou seja, através de números e relações entre esses números. O homem é que deveria saber ler as leis naturais além das meras aparências que nossos sentidos nos trazem.

Hoje toda a ciência é baseada no método proposto por Galileu. Nem o chamamos mais de "Método de Galileu", mas de "Método Científico", por ser a forma hegemônica reconhecida para a produção de saber. Saberes obtidos através de qualquer outra maneira são qualquer coisa MENOS ciência, e portanto altamente duvidosos. Por outro lado, a informação obtida através deste método adquire status de "verdade".

Obviamente, a vitória do "método galileano" sobre os métodos "cartesiano" e "baconiano" nada tem a ver com a verdade em si. Tem a ver, isso sim, com uma disputa filosófica processada nas primeiras décadas do século XVII. Se outras tivessem sido as circusnstâncias sócio-econômicas daqueles dias, será que o método proposto por Galileu teria sido também vitorioso? E, nesse caso, se outra proposta para a produção de saber tivesse encantado mentes e corações e se tornado hegemônica, será que nossas "verdades" de hoje seriam as mesmas? Ou teríamos outras "verdades"?

Longe de ser a "verdade", o conhecimento científico, como o conhecemos é, portanto, apenas uma "forma de verdade", e nada justifica a sua elevação à um nível quase religioso de aceitação. Lembremos que esse método de produção de saber é usado há meros 400 anos. Um "nada" na história da humanidade. É possível que, no futuro, reviravoltas na história ou na filosofia, possam nos dar um método científico totalmente diverso desse que conhecemos hoje para a produção de conhecimento. E novas "verdades". Quem sabe?

Um comentário:

  1. Ótimo texto Mauro. Realmente hoje em dia vemos que ninguem preocupa-se em compreender como foram comcebidas estas formas de se encontrar a "verdade". A grande maioria esta mais preocupada em simplesmente aprender a "fazer" ao invés de compreender como se é "feito". Acabamos tomando como "verdades" absolutas os conhecimentos que surgiram através de "métodos científicos" (ou método Galileano), que acabamos esquecendo de refletir sobre uma forma diferente de se obter o conhecimento.

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